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Ruínas de Gorgora Nova, Etiópia

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Ruínas de Gorgora Nova, Etiópia
O autor nas ruínas de Gorgora Nova, Etiópia

O longo caminho para Gorgora Nova

Como já escrevi na página sobre Gorgora e igreja de Debre Sina, como português algo orgulhoso no passado histórico do meu país, decidi nesta minha viagem vir até este local que fica um pouco fora do roteiro da maioria dos visitantes da Etiópia.

No primeiro dia em Gorgora ia desesperando, já que não encontrava ninguém que me soube-se informar acerca da forma de chegar às ruínas da catedral portuguesa de Gorgora Nova. Tratei de procurar um guia ou alguém que me desse informações de como chegar à catedral. No hotel onde fiquei, pelo menos quem me recebeu não sabia. Na igreja de Debre Sina, pelo meio de um inglês atabalhoado também não consegui informações e nem mesmo no hotel do porto, onde segundo o Lonely Planet se costumam encontrar guias, ninguém sabia onde ficava.

Estava assim a ver pelo menos dois dias de viagem perdidos. Quando subi do hotel do porto a minha ideia já era regressar nesse mesmo dia a Gondar para no dia seguinte apanhar o autocarro para Axum.

Contra todas as regras e contra o meu normal comportamento em viagem, tentei fazer o meu melhor para parecer perdido e à procura de ajuda.

Já estava a virar costas para o hotel, quando ouço um “Hi, how are you?”, ao qual se segui um “Get in! Join us for a local beer!”

Bebendo uma cerveja local em Gorgora, Etiópia

Como tinha Imodium no quarto, decidi alinhar. Normalmente nunca recuso nada de comidas ou bebidas em viagem, mas também é certo que às vezes me lixo.

A cerveja, servida em latas de conserva de 1 litro, com um aspecto de água com cinza, pouco ou nenhum álcool e um sabor suave, anima a tarde destes jovens. Eu, sendo o convidado de honra, tive direito a um copo de vidro.

O Tesfaye, era o mais velho do grupo e estava sentado junto à porta. Era o que falava melhor inglês e foi ele que me convidou a sentar com eles. Expliquei-lhes o que procurava e por fim encontrei alguém que me compreendia. O meu erro estava em perguntar pela catedral portuguesa. Parece que na verdade não ficámos nada bem na fotografia e ninguém sabe que por lá deixámos a nossa marca. O local é conhecido apenas por Susenyos, o palácio de Susenyos.

Consegui assim um guia: o Gashacheu, um dos rapazes que lá estava seria o meu guia no dia seguinte. Ajustámos 150Birr e encontrar-mo-nos ali às 4h30 da manhã, hora a que sai o primeiro autocarro.

Madrugada já com alguns quilómetros nas pernas

Às 4h30, depois de cruzar a noite africana, escura como breu, cheguei à estrada, onde ao fundo já se ouvia o autocarro a buzinar. Com o autocarro já ao pé de mim, lá apareceu o meu guia com um saco de pão que eu lhe tinha dado dinheiro para comprar.

Decidimos apanhar este primeiro autocarro que segue para Gondar, para fazer os primeiros oito quilómetros, que caso contrario teríamos de percorrer a pé. Saímos ainda de noite num cruzamento onde existe uma grande placa que indica a existência destes lugares turísticos e começamos de imediato a caminhar. Daí até às ruínas são mais 12 quilómetros para cada lado. Paguei 10Birr pelo autocarro para os dois, numa viagem que demorou uns 15 minutos.

Na caminhada para Gorgora vamos tendo a companhia da população local.

Apenas o pouco luar iluminava o nosso caminho e nos primeiros metros pelo meio das casas tive aquela sensação de achar que estava a ser raptado ou levado por um caminho errado. Mas não, tudo tranquilo. A um ritmo alucinante fomos caminhando com a madrugada a despontar.

Com o amanhecer os caminhos começaram-se a encher de pessoas na sua rotina: uns a irem para a escola, outros com as vacas e os arados para os campos, outros com os burros carregados de cereais para a feira e, pássaros de mil e uma cores a sairem do ninho.

No caminho pelas aldeias os animais são uma constante
No horizonte estão quase sempre as águas do lago Tana
As terras são lavradas recorrendo a técnicas ancestrais

Depois de cerca de duas horas a caminhar avistámos por fim, ao fundo, a colina onde se erguia o palácio do rei Susenyos e a catedral portuguesa, sendo já possível avistar um pouco das ruínas. Ia no entanto um pouco apreensivo, já que o meu guia só me falava em Susenyos e não tinha a certeza que fosse ali a catedral.

Ao fundo a colina onde se erguia o palácio de Susenyos

Finalmente, as ruínas

Ao começarmos a subir a colina aproxima-se de nós um homem que diz ser o guarda do local e pede 100Birr pela entrada. Eu pensava que o acesso ao local era gratuito e por isso peço o bilhete, que ele vai buscar. Sentamos-nos todos no chão: eu para descansar, ele para pausadamente escrever.

O guarda de Gorgora Nova passa o meu bilhete

Subimos o resto do caminho e chegámos a umas ruínas de pedra castanha como a terra que revelam que algo de grandioso já se ergueu ali. Eu, subo mais um pouco.

Eis que, finalmente, todo o esforço deste dia está justificado: do outro lado da ruínas está o  que resta da parede e abóbada da catedral construída aqui pelos missionários portugueses. Relembro o dia de hoje: é 10 de Junho, dia de Portugal e melhor local para o comemorar na Etiópia não podia haver.

Por fim as ruínas da catedral portuguesa
Um dos filhos do guarda acompanhou-me em toda a visita

Esta catedral, conhecida como Maryam Gemb, assim como mais uns quantos edifícios em redor do lago, foi aqui construída pela missão jesuíta liderada pelo padre Pêro Pais, que no século XVII estabeleceu alianças com o rei Susenyos. Esta terá certamente sido uma das maiores obras em estilo barroco construída no continente africano. Pelo menos eu não tenho conheço nada semelhante.

O autor nas ruínas de Gorgora Nova, Etiópia

Os objectivos desta aliança eram não só a conversão dos cristãos etíopes ao catolicismo, mas também o combate aos muçulmanos.

O povo não aceitou a nova religião e acabou por se revoltar contra o rei, sendo os portugueses expulsos da Etiópia. O seu sucessor, o rei Fasiladas acabou por usar algumas técnicas construtivas trazidas para aqui pelos portugueses na construção do seu palácio real em Gondar.

As escoras de ferro ajudam a suportar o que resta da catedral

Um terramoto e fortes chuvadas em 1995 deitaram por terra quase tudo o que restava da catedral. Em 2009 uma campanha arqueológica espanhola colocou as escoras metálicas que suportam o pouco que agora resta.

No entanto, se mais nada for feito pouco faltará para que este pouco caia por terra.

As fabulosas vistas das ruínas para o lago Tana
Ruínas do palácio de Susenyos

Aos interessados em ler mais sobre este local, deixo um link para um documento da Universidade Nova de Lisboa sobre as obras portuguesas na Etiópia, da autoria de Rafael Moreira: http://run.unl.pt/bitstream/10362/12430/1/ART_3_Moreira_RHA1.pdf e, um link para uma página sobre as várias campanhas arqueológicas realizadas naquela região: http://cultureandhistory.revistas.csic.es/index.php/cultureandhistory/article/viewArticle/33/129

O regresso

O que mais estranhei ao longo do caminho de regresso foi ver as pessoas a trabalhar nos campos, sem que se avistasse onde beberem água. O mesmo acontece com os animais que pastam o pouco de verde que a terra tem para dar, sem por perto terem onde beber.

Já eu, que levei duas garrafas de um litro de água, no caminho de regresso já estava a desesperar com a falta de água. O meu guia não levava água para ele, pelo que eu achei por bem partilhar, o que reduziu significativamente os meus recursos.

Tinha decidido só levar pão e água, e esperava pelo caminho comprar alguma fruta. Foi um erro, já que por aqui pouca ou nenhuma fruta se vê, e acabei essa manhã a pão e água.

Já com mais de metade do caminho percorrido, ao passarmos junto a uma casa de um familiar seu, o Gashacheu diz-me: “Mister, vamos entrar e comer qualquer coisa?”

Aceitei. Nem tinha outra hipótese: não é todos os dias que se tem a possibilidade de entrar numa casa de uma aldeia africana. Já a comida, não tive igualmente outra hipótese se não aceitar um pouco.

Numa casa de aldeia etíope com o meu guia
Comendo injira numa casa de aldeia etíope

Ao chegarmos à estrada principal conseguimos transporte de regresso a Gorgora numa Bajaj o nome que por aqui dão às motas tipo Tuk-Tuk, por 100Birr.

O meu amigo João Leitão esteve também aqui em 2012. Aliás, com alguma tristeza, costumamos dizer em tom de brincadeira que teremos sido os dois últimos portugueses a ver o que resta desta igreja. Esperemos que não seja verdade! Ele também tem uma página no seu site sobre o local: Lago Tana, Castelos de pedra e Guerras Santas – Etiópia

Mapa de Gorgora

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